
Terça-feira noturna, uma das grandes corridas do calendário taurino nacional e usualmente apelidada de “noite de exaltação ao forcado” mas que esta época foi mais a “noite dos ânimos exaltados”, por motivos e peripécias diversas e onde a matéria-prima disponibilizada aos forcados apenas deu para cumprir calendário e em que os únicos motivos de exaltação da figura “forcado” foram dados pela competência da atuação do Grupo e as muitas vantagens dadas aos toiros. Lidaram-se 6 exemplares de 2 ganadarias, 3 Santa Maria e 3 Passanhas mas onde apenas o ultimo Passanha da noite se pode considerar um toiro com apresentação digna para esta corrida.


A noite começou com uma justa e sincera homenagem ao Grande Homem dos toiros, grande forcado, grande cabo do Grupo de Vila Franca, José Carlos de Matos. Quaisquer palavras de elogio acerca da obra que criou e da herança que deixou, serão sempre escassas e a homenagem que lhe foi prestada na arena da Palha Blanco é apenas uma justíssima e singela retribuição ao muito que a tauromaquia, Vila Franca de Xira e o seu Grupo de Vila Franca lhe devem.
Seguiu-se a corrida e a atuação do Grupo de Vila Franca, que contou com alguns forcados já fora do ativo fardados, numa noite onde um colega de muitas gloriosas tardes e noites se despedia do ativo, o Tiago Oliveira “Salsa”.



O primeiro exemplar da noite foi um Santa Maria lidável mas cujo comportamento foi indo de mais a menos durante a lide. Acabou por ser o toiro que o cabo Ricardo Castelo atribuiu a si próprio, na defesa da digna tradição do cabo “abrir” praça. Fez questão de brindar ao seu tio, o ilustre homenageado da noite, José Carlos de Matos. Na primeira tentativa, esteve correto no cite e a mandar mas acabou por “perder” o toiro no momento da reunião, onde a falta de toiro e o piso se uniram para que fosse vencido. Na segunda tentativa, emendou este detalhe e consumou uma pega tecnicamente irrepreensível em que houve sempre mais forcado que toiro, com o Grupo a ajudar a um bom nível e ainda assim, o toiro depois de sentir o forcado na cara tentou empregar-se mas sem grandes hipóteses de sucesso.



Segundo toiro da noite, outro exemplar de Santa Maria de investida menos franca e mais curta, mas que também foi lidável. Para a cara foi escalado o forcado Márcio Francisco. Após brindar ao céu, fez-se ao toiro, tentou aproveitar um esboço de investida que não resultou e cedo chegou a terrenos já de compromisso. Não se intimidou, como é seu timbre, mandou bem na investida, sacou-se ao limite possível e fechou-se mas sem encher a cara ao toiro que guerreou logo ali a tentar despejar o forcado. Uma ajuda superior do Diogo Duarte foi suporte suficiente para o Márcio aguentar a chegada ao resto do grupo que foi eficaz a fechar e a consumar esta pega algo esforçada e que acabou por criar uma mazela no pé do forcado, o que retira ao Márcio a hipótese de desfrutar do que ainda resta desta época.




O terceiro exemplar que saiu à arena foi o último de Santa Maria, bastante terciado e que criou enorme contestação na praça. Atrevo-me a considerar que não houve lide, o cavaleiro e a praça em peso “despacharam” a lide deste exemplar. Mas os forcados estão alheios a estes detalhes, cumprem o seu papel que passa por dar a dignidade de uma pega ao toiro e ainda mais digna se tornou por ser a última pega de caras para o Tiago Oliveira “Salsa” que se retirava do ativo pelo seu Grupo de sempre. Brindou ao Grupo com a emoção do momento escondida, como ele sabe tão bem fazer e fez-se à sua derradeira pega. Citou bem, o toiro arrancou pronto e de largo, o Salsa alegrou a investida aguentando bem e recuou para receber o toiro que lhe entrou baixo e quase o despejou da cara. A alma e o querer do forcado foram suficientes para subir pelo toiro, com os ajudas perfeitamente empenhados em não deixar sair o cara que já se havia composto na cara do oponente, consumando uma pega que acabou por ser bastante trabalhosa já que o toiro esteve sempre a tentar tirar a cara no meio do grupo. No final, o Tiago “Salsa” teve a merecida volta de consagração com a Palha Blanco a corresponder a este momento único de um forcado de grande nível técnico a ajudar, valente e de uma grande honestidade em praça que marcou junto com outros forcados de uma geração de ouro, mais de uma década de grandes atuações a manter o Grupo de Vila Franca no elevado nível que lhe é justamente reconhecido. Parabéns Salsa, tiveste uma enorme e muito digna carreira a fazer o que mais gostas, sempre com os teus amigos de uma vida ao lado.



A segunda parte da corrida tinha 3 exemplares de Passanha para serem pegados e o inicial, não acalmou de todo o público que manteve alguma contestação atendendo à apresentação do bem armado astado, embora o seu comportamento voluntarioso tenha permitido uma lide de algum nível. O forcado da cara para este toiro foi o Francisco Faria que brindou ao Tiago Oliveira “Salsa”. Esteve compenetrado no cite, sempre a mostrar-se ao toiro que se mantinha em tábuas, até que na zona da verdade mandou com convicção, provocando uma investida franca que o obrigou a sacar-se rápido, com grande técnica, fechou-se na córnea e foi praça fora bem fechado. Sobrou forcado para pouco toiro e mesmo fugindo para a esquerda do grupo, não teve dificuldades em suportar a longa viagem e a recuperação dos ajudas que culminaram esta pega sem dificuldades de maior.



O quinto toiro, também ele de apresentação distante do pretendido mas já a “disfarçar” com um trapio mais equilibrado, teve um comportamento regular, que não comprometia e foi com naturalidade e a calma habitual que o Vasco Pereira se fez à cara. O toiro correspondeu bem ao cite do Vasco e arrancou com alegria e franco, de largo. O Vasco esteve, também ele, com a sua competência habitual a recuar e a receber, trancou-se e entrou deste modo para dentro do grupo que correspondeu no seu elevado nível, fechando mais uma pega onde faltou toiro para tanto forcado.


Por fim, o tal sexto toiro, ou o único “verdadeiro” toiro desta corrida, atendendo à apresentação. Até no comportamento durante a lide teve nota elevada, saiu nobre e sempre em crescendo. Para este digno representante de Passanha, saltou o Rui Godinho para a cara. Mal iniciou o cite, logo o toiro correspondeu, ainda num chouto pouco franco mas que o Rui Godinho esteve excelente a alegrar e provocar, recuou o necessário e reuniu muito bem, para se “trancar” melhor, num recital de perfeição. Mais uma vez o Grupo correspondeu com extrema coesão, fechando da melhor maneira uma noite que esteve sempre mais identificada com a dignidade e competência, na ausência das esperadas dificuldades tradicionalmente agregadas a esta data.
Paulo Paulino “Bacalhau”
