
As primeiras linhas desta crónica são para o grande forcado André Matos.
Ontem, o André fechou um ciclo glorioso do Grupo de Vila Franca, ciclo esse iniciado durante a vigência do cabo Vasco Dotti que teve de reconstruir um Grupo de Forcados que por circunstâncias que respeitam aos tempos vividos nessa altura se viu quase como da noite para o dia sem grande parte dos seus recursos mais experientes. Não esteve sozinho nessa árdua tarefa, outros se posicionaram com ele e conforme se confirmou posteriormente, com grande sacrifício individual e coletivo, foram atingidos os seus objetivos. Mas o essencial foi a determinação de todos os envolvidos em ajudar a defender esta causa que apesar de se antever trabalhoso e a necessitar de muita determinação e bastante paciência, veio, como se comprova pela história, a dar os seus frutos. Agarrou-se num punhado de “meninos” dos juvenis, criou-se condições para evoluírem através de numerosos treinos e umas quantas corridas de menor pressão em desmontáveis e praças menos exigentes, salpicando com as necessárias corridas de “postim” para criar a fundamental competição interna e ajudar a manter os pergaminhos do Grupo de Vila Franca e foi assim, que em duas a três temporadas, surgiu o que se veio a intitular da geração de ouro mais recente do Grupo de Vila Franca. A tradicional longevidade dos grandes forcados deste Grupo, fez com que essa geração de forcados da cara e ajudas cimentassem a posição do Grupo de Vila Franca nos lugares cimeiros dos Grupos de Forcados Nacionais, tornando-se na sua grande maioria em referências para quem seguia ou ambicionava seguir carreira como Forcado. É neste conjunto de valores que surge o André. Foi tão só um dos melhores ajudas que tive oportunidade de apreciar desde que me recordo de ver corridas de toiros, principalmente na sua posição de eleição, segundo ajuda.
Para quem não está muito dentro das responsabilidades e funções inerentes às posições de um forcado dentro da formação do grupo, o segundo ajuda é sobretudo um pêndulo da eficácia do grupo, com grande relevo (como os restantes ajudas) para o sucesso de cada pega das quais destaco algumas: sentido de oportunidade, deve analisar em frações reduzidas de tempo os “pontos quentes” criados após a reunião e a intervenção do primeiro ajuda, quer seja o facto do forcado da cara vir descomposto e necessitar de determinado “aconchego” ou até mais que isso, ou caso exista tendência do toiro se afastar da rota do resto do grupo e através da vantagem de ter um foco de visão da reunião superior aos terceiras ajudar, poder intervir mais rapidamente na recuperação deste afastamento do oponente, ou em toiros “a pedir contas” ciar peso no forcado da cara e sobretudo nos pitos do toiro (o que retira “moral” ao toiro) auxiliando assim que os terceiras ajudas funcionem na sua função principal de “fechar” a pega e não de quase primeiros ajudas como por várias vezes ocorre quando o toiro entra descoberto nas terceiras, ou ainda no caso de ser ultrapassado na sua tentativa de ajudar, como a maioria das vezes é quem tem mais possibilidades para tal, tentar recuperar rapidamente para poder cobrir a zona mais vulnerável caso o toiro rompa as terceiras tentando fugir com o forcado da cara em solitário. Tudo isto funciona por via de concentração, instinto, inteligência, experiência e atitude.
Era nisto que o André sobressaía em praça, era nisto que o André dava lições enquanto forcado no ativo, o que terminou nesta Terça-Feira Noturna na Palha Blanco. Vamos certamente sentir falta de o ver em praça, mas mais importante que isso, deixou ensinamentos que para quem os conseguiu absorver, possivelmente não calcula o quão valiosos são, já que “maestros” deste calibre são raros. Agora que o André foi o último deste glorioso grupo de valores que formou a mais recente geração de ouro do Grupo de Vila Franca a “despir a jaqueta”, como referi anteriormente, fechou-se este ciclo “pintado” com momentos de grandiosidade, alguns deles certamente intemporais, a história o dirá.
A corrida




Na noite fresca de Vila Franca de Xira a Palha Blanco abriu as suas portas para a corrida mais emblemática de toda a temporada, a sua Terça-Feira Noturna e registou cerca de três quartos de lotação preenchida. Na arena, a banda do Ateneu Artístico Vilafranquense brindou o Grupo de Vila Franca (linearmente disposto na arena) com a estreia de um pasodoble a ele dedicado e intitulado “Forcados de Vila Franca”. Após este bonito momento, iniciou-se a corrida que encerrava a feira taurina de Vila Franca, com um curro de toiros Passanha que seria lidado por António Telles, Moura Júnior e Joao Telles, ficando as pegas dos 6 toiros a cargo do Grupo de Forcados Amadores de Vila Franca de Xira.




O Passanha de 570 Kg que abriu praça saiu com boa apresentação, era sério, mas sem maldade e investia sobretudo em terrenos curtos. O cabo Vasco Pereira abriu praça como forcado da cara e pegou à segunda tentativa. Na primeira tentativa o Vasco teve de subir a terrenos já em curto e recebeu o toiro que logo baixou a cara, não permitindo ao forcado “sentar-se” na córnea, pelo que este ficou pendurado e logo de seguida despejado o que não permitiu a entrada dos ajudas. Na segunda tentativa, o Vasco conseguiu receber o toiro e acomodar-se eficazmente na sua córnea, seguindo viagem grupo dentro, tendo este correspondido com coesão e eficácia a fechar esta primeira pega da noite, inicialmente brindada ao forcado que se iria despedir esta noite do ativo, André Matos.







A estampa de toiro com 576 Kg que saiu em segundo lugar já entrou condicionado fisicamente em praça, pelo que acabou por ser devolvido aos currais, saindo de seguida um Passanha com 520 Kg, algo bisco, menos apresentação que os anteriores mas com um comportamento que se revelou voluntarioso em toda a lide. Para a cara deste toiro, o forcado eleito foi o André Matos, para uma última pega de caras numa carreira longa e brilhante, assente sobretudo numa exemplar função de ajuda. Consumou uma boa pega à segunda tentativa, após um detalhe de pouco relevo, comparativamente a tão grande forcado, lhe ter retirado o sucesso logo à primeira. Atrás de si, o irmão Emanuel, oportuno como sempre, nesta noite tão especial. O agradecimento na despedida do André Matos foi à sua imagem, discreto e eficaz, onde não esqueceu o detalhe toureiro de chamar a acompanhá-lo, nesta última ovação, o seu irmão.



A encerrar a primeira parte da corrida saiu à arena um toiro Passanha com 544 Kg e boa apresentação que se revelou pouco interessado na peleia, defendendo-se dos ferros, demonstrou algum sentido e adotou terrenos que não facilitavam com uma ou outra investida algo extemporânea. O forcado da cara para este toiro foi o David Moreira “Canário”. O forcado esteve muito bem em frente ao toiro, e após mandar na investida, recuou e reuniu exemplarmente, entrando bem fechado no grupo que não permitiu ao toiro mais uma tentativa em fugir do confronto ao fechar a pega com grande coesão.



Após o intervalo foi lidado o quarto Passanha da noite, com 515 Kg que não era uma estampa de apresentação nem abundava de força mas demonstrou alguma qualidade e esteve sempre disponível nunca se refugiando durante a lide. O forcado da cara eleito foi o Guilherme Dotti. Este jovem forcado fez-se ao toiro com grande confiança, mandou no oponente e esteve tecnicamente irrepreensível em cada momento da pega, fechando-se na córnea com grande eficácia tendo sido também superiormente ajudado o que não permitiu uma ténue tentativa do toiro de sair de dentro do grupo que o envolveu. O forcado da cara havia brindado à banda do Ateneu Artístico Vilafranquense e pela segunda vez nesta noite, o pasodoble “Forcados de Vila Franca” voltou a ecoar na Palha Blanco durante a volta do Guilherme.



O quinto toiro lidado esta noite foi o Passanha que estava como sobrero, o mais pesado da noite com 600 Kg e terá sido o melhor toiro da corrida. Transmitiu, teve mobilidade e proporcionou bons momentos durante toda a lide. Para a cara, na pega deste toiro, saltou o Rui Godinho. O forcado esteve muito bem em todos os momentos e após mandar na investida, a reunião foi com um derrote para cima bem aguentado pelo Rui, o toiro manteve a cara alta e já com o Grupo a envolvê-lo deu-se por derrotado, resultando assim mais uma boa pega com excelente componente técnica por parte do forcado da cara e ajudas exemplares.




Para finalizar a noite, um último Passanha que acusou 555 Kg na balança. Boa presença, apesar de ligeiramente bisco, denotou bom comportamento durante a lide apenas com uma caraterística negativa de entrar muito baixo nos capotes. Saltou para a pega deste toiro o “forcadão” Francisco Faria. Na primeira tentativa foi irremediavelmente colhido pelo toiro com uma “tarrascada” abaixo dos joelhos, a ceifar, não dando qualquer hipótese de se fechar na cornea. Na segunda tentativa, mudou-se o toiro de sítio, mas acabou por ocorrer uma nova entrada baixa e para o lado por parte do toiro, com as mesmas caraterísticas da reunião anterior, e pese a atitude e espírito de sacrifício do Frederico Murta que dava primeira ajuda, não foi possível aguentar as batidas violentas do toiro. Para a terceira tentativa, nova mudança de terrenos e apoio do bandarilheiro a levantar a cara ao toiro com o capote durante a colocação. Desta vez, a reunião já foi correta e sobressaiu a técnica a fechar-se por parte do Francisco assim como a grande coesão de todo o grupo a ajudar, naquela que terá sido a pega mais trabalhosa da noite.



Apesar dos problemas surgidos neste complicado ultimo toiro, tratou-se de uma noite positiva para o Grupo de Vila Franca e foi em ambiente de final de festa que se encerrou esta ultima corrida da temporada para o Grupo com as tradicionais fotos da praxe na arena, tendo o André Matos e os seus “irmãos de armas” como protagonistas.
Paulo Paulino “Bacalhau”