Uma mistura de sentimentos na Palha Blanco


A grande noite de cada época na Palha Blanco é inequivocamente a Terça Feira Noturna da Feira Taurina de Vila Franca de Xira. É a noite com maior tradição do panorama taurino nacional, sem desprimor para outras grandes noites com tradição em algumas das melhores praças de toiros deste país. Ano após ano criam-se sempre grandes expetativas para o cartel a apresentar, para os cavaleiros e toiros que irão estar presentes, uma vez que por valor e mérito próprio, o Grupo de Forcados de Vila Franca é o digno representante dos forcados Portugueses numa noite apelidada de “Exaltação ao Forcado”.

Este ano, como aficionado do toiro senti-me defraudado nas expetativas criadas face ao curro apresentado, como aficionado da lide equestre, senti-me dececionado face a algumas atuações que presenciei e como aficionado das pegas e do forcado amador, senti-me orgulhoso de ter presenciado uma atuação que apesar de não ter sido redonda nem ter roçado o brilhantismo, assentou numa demonstração de grande valentia e de como se podem vencer grande dificuldades com querer, saber, experiência e principalmente, com muita classe. 

O primeiro toiro da noite foi um “amarelo” de Miura, certamente com os 600 kg anunciados, feio e com muito poder como é norma dos toiros desta ganadaria. Apesar das dificuldades que o toiro aparentava, o cabo Ricardo Castelo não se “tapou” e saltou para a cara, para pegar o primeiro toiro da noite como ele tradicionalmente faz. O toiro exigia saber e experiência do cara e exigia extrema concentração dos ajudas. Efetuou um brinde sentido ao irmão Pedro Castelo e ao Bruno Casquinha que se despediam do ativo nesta noite, na arena, num sinal de grande amizade e respeito pelos elementos brindados. O toiro proporcionou uma primeira tentativa em que o Ricardo aguentou estoicamente até às tábuas uma entrada veloz e um conjunto de derrotes altos, sempre a sacudir e a procurar o forcado da cara que aguentou até ao limite mas faltou alguma concentração nos ajudas que nunca conseguiram formar o necessário “bloco” que o toiro pedia e apesar de algumas entradas de valor, a coesão esvaiu-se em rasgos individuais insuficientes para o que se exigia. A 2ª e 3ª tentativa foram entradas extremamente brutas do toiro a sacudir o forcado da cara sem lhe dar a mínima hipótese para se fechar com sucesso. Na quarta tentativa, o Grupo subiu e conseguiu dar a margem que o Ricardo necessitava para se “trancar” e após muita luta a evitar que o toiro retirasse a cara, consumou-se esta difícil pega que se assemelhou mais a uma batalha. 

No remate da pega, o Carlos do Sobral a rabejar este toiro mostrou porque havia recebido uns minutos antes o prémio de melhor rabejador do país, nomeado pelos Cabos de todos os Grupos de Forcados nacionais. 

O segundo toiro da noite, de Miura, talvez até fosse um toiro apesar do aspeto de “vaca grande” onde nem os “atributos de masculinidade” eram visíveis, mas foi sobretudo um dos exemplares mais indignos de entrar neste espetáculo único, nesta praça centenária, nesta noite de tradição e o público da Palha Blanco reagiu à desilusão manifestando-o com a sinceridade exigível durante toda a lide. Para a cara deste Miura, um “miúdo” que mereceu a distinção de pegar na Terça Feira Noturna pelo que fez de bom durante toda a época, o Gonçalo Filipe. A pega foi encarada com a seriedade exigível já que o aspeto do toiro era acompanhado por um comportamento defensivo que poderia envergonhar um grupo desconcentrado. Tal não sucedeu e apesar do Gonçalo ter recebido com ligeira imperfeição, “trancou-se” bem no meio de dois fortes derrotes para cima e com ajudas prontas e eficazes levou a bom termo esta sua estreia a pegar numa Terça Feira Noturna. 

O terceiro toiro da noite, de Miura, também ele muito longe de ser uma “estampa”, ainda assim acabou por cumprir os mínimos (pouco mais que isso) e tinha a perigosidade e defesa suficientes para incomodar qualquer pega sem grande esforço. O forcado eleito para a cara foi o Pedro Castelo que iria despedir-se das arenas com esta ultima pega. Brindou emotivamente esta última pega ao Grupo que sempre o acompanhou nas suas 17 épocas como forcado no ativo. Na tentativa inicial, a história resumiu-se a uma entrada do toiro a sacudir o cara pra cima e a fugir por baixo sem deixar o cara fechar-se. O Pedro foi um dos forcados do país com mais técnica que vi pisar as arenas na ultima década e meia e neste seu ultimo toiro, voltou a mostrar porquê de ser considerado também pelos seus pares o grande e respeitado forcado que sempre foi, numa segunda tentativa bem conseguida e com uma excelente ajuda do Bruno Tavares que dava primeiras, rodeado de seguida pelo resto do Grupo que não deixou o toiro tirar a cara como pretendia. Foi mais um toiro, o centésimo e último, de um forcado que deixou um rasto de grandes momentos aos aficionados que tiveram o privilégio de o ver efetuar enormes e difíceis pegas numa carreira recheada de sucessos dentro da arena e que fará parte, por direito próprio, da História do Grupo de Vila Franca. 

O quarto toiro da noite, também ele um “amarelo” mas de Palha, saiu à praça com um comportamento mais de toiro e menos de “bronco”, acabando por ser o menos mau da noite por este fator. Nesta noite, outro grande forcado abandonava o ativo nas arenas após 15 épocas sempre a defender o seu Grupo de Vila Franca, Bruno Casquinha. Também ele efetuou mais um brinde emotivo ao seu Grupo de sempre, nesta noite de muito simbolismo. Um grande forcado que passeou arte pelas arenas, serviu o seu Grupo com gosto, desinteressadamente, sempre motivado e com uma imagem de marca de alguém cativante pelo modo alegre de estar dentro e fora da praça. Citou o toiro com o seu estilo inconfundível, com figura e arte, a saber o que se estava a passar à sua frente e foi assim, a mandar e a receber exemplarmente que se “trancou” nesta ultima viagem, num toiro que fugiu ao Grupo para o lado esquerdo mas que rapidamente e antes que tocasse as tábuas foi ajudado numa eficaz recuperação por parte dos ajudas com o João Maria a dar o mote e depois, já com o Grupo “montado”, continuou a tentar empurrar as tábuas mas sem sucesso. Uma excelente pega ao nível que o Casquinha habituou os aficionados desde o início da sua carreira. 

O toiro de Palha que deveria ser lidado em quinto lugar saiu fisicamente condicionado e foi prontamente recolhido, saindo o toiro seguinte à praça. Uma estampa de 610 kg de Palha, com tanto de bonito, como de manso, perigoso e com muito poder. Chegou a pega e com ela uma seriedade que silenciou a Palha Blanco. O cara não necessita apresentação, Ricardo Patusco. Carrega história, saber, experiência e valentia. Na primeira tentativa, acontecem dois derrotes seguidos para “partir” o forcado ao meio de um toiro com poder e folgado que lançam o cara para o piso da arena. É ainda meio combalido que inicia o cite para a segunda tentativa, vai buscar o toiro que já se encosta às tábuas e recebe bem uma investida violentíssima que faz uma viagem a “varrer” os forcados que tentam ajudar. Mais uma vez o “bloco” não o chegou a ser e as intervenções individuais não foram suficientes para vencer o toiro, poderosíssimo a despejar (literalmente) o Patusco nas tábuas. Na terceira tentativa, já com o primeira e os segundas ajudas mais em curto, o Patusco voltou a fechar-se mas desta vez já com as ajudas a funcionar em pleno, esta dificílima pega é fechada nas terceiras com sucesso. A Palha Blanco ficou rendida a esta demonstração de grande sacrifício e valentia. 

Por fim saiu o último toiro, o sobrero de Oliveira que ficou logo apresentado nos momentos iniciais da lide. Manso, o chamado “coirão”. O cara escolhido para encerrar a noite foi o Rui Godinho, cada vez mais um “forcadão”. O brinde conquistou a praça, ao dedicar a pega aos muitos forcados de Vila Franca retirados que estavam na bancada a apoiar o seu Grupo. Citou alegre, carregou no momento certo e aguentou bem o ameaço de investida que o toiro teve inicialmente. Voltou a carregar desta vez para se sacar bem à investida do manso e fechar-se com ganas. Entrou a aguentar as sacudidelas do toiro pelo Grupo dentro, onde desta vez as peças funcionaram exemplarmente em mais uma grande pega que rematou da melhor maneira esta dura noite para Forcados de “barba rija”. 

Nas noites de Terça Feira Noturna, o Grupo de Vila Franca sempre faz questão de que o jantar tenha algo mais para além do merecido divertimento de quem sai com a satisfação e o orgulho do dever cumprido, puxa-se pelo que há para dizer, do Grupo para dentro do Grupo e foi no restaurante “O Forno” (sempre exemplarmente servidos) que houve motivos de sobra para tal nesta noite que … culminou de dia, pouco antes da hora da ultima espera da Feira.

Paulo Paulino “Bacalhau”

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