Samora Correia tem por tradição ser sinónimo de corrida de toiros sérios. Nos últimos anos, o Grupo de Vila Franca tem enfrentado curros poderosos nesta feira taurina e esta época, a tradição manteve-se. Um poderoso curro de Canas Vigouroux a repartir com o Grupo do Ribatejo e quis a “sorte” conceder-nos os 3 toiros mais pesados do curro. É nestas alturas que o Grupo de Vila Franca tem por hábito puxar dos galões e demonstrar em praça o porquê de 80 anos de história preenchidos com alguns dos momentos de maior valor da forcadagem Portuguesa. Esta foi uma noite onde a eficácia se misturou com o espírito de sacrifício e o querer, perante 3/4 de praça preenchidos por um público entusiasta, como sempre sucede nesta localidade taurina.
A abrir praça, o forcado Pedro Henriques. Com um saber de experiência feito e nitidamente em boa forma, o Pedro efetuou tudo na perfeição, inclusivamente o aguentar sereno o facto de o toiro ter ensarilhado durante a investida, nunca perdendo a calma e mantendo as mãos no sítio até consumar a reunião, “sacando-se” com bastante perfeição. Pode-se dizer que o forcado da cara deu a “lide” adequada às caraterísticas deste toiro. Foi também bastante bem ajudado, com as segundas ajudas a não darem hipótese que o toiro fugisse do meio do Grupo.
Para enfrentar o terceiro toiro da noite, saiu à praça o forcado Rui Godinho que após brindar ao forcado do Grupo já retirado, João Guilherme, que sempre faz questão de receber com uma simpatia e modos inexcedíveis o Grupo de Vila Franca em sua casa, avançou para o toiro com o seu estilo habitual, sereno no cite, pragmático a carregar, temple bem medido, eficaz na reunião e os ajudas a corresponderem com a mesma eficácia, destaque para Tiago Oliveira “Salsa” que deu uma oportuna segunda ajuda quando o toiro de desviou ligeiramente para a direita, na sua rota.
Para o final estava guardada a “ameixa” madura desta corrida. Um jabonero de 600 e alguns quilos, sem ponta de bravura, um poder inversamente proporcional à quantidade de bravura e que nunca se esforçou por correr atrás do cavalo, numa lide que considero “abreviada” por parte do cavaleiro. Enfim, o Grupo tinha um toiro “inteiro” pela frente, quarenta e tal arrobas em fúria sempre que vislumbrava o forcado na praça. Foi com ganas de vencer este “boi” que o Flávio Henriques “Moguelas” e os restantes 7 ajudas saíram à praça. O animal quando viu a figura do forcado da cara, ganhou “asas” e saiu disparado para “terraplanar” o que lhe surgia na frente e com derrotes violentos para cima e para os lados, livrou-se com alguma facilidade do cara e do primeiro ajuda, os segundas ajudas nem tiveram hipótese de lhe tocar. Logo se percebeu que não se ia acobardar e que batia muito antes da zona das segundas ajudas, pelo que o Grupo subiu algumas peças, mantendo apenas os terceiras ajudas mais recuados. Na segunda tentativa, mais do mesmo, o toiro levou tudo à frente sem demonstrar a mínima complacência. Após esta tentativa, o Bruno Tavares fraturou um dedo e foi de imediato substituído pelo Tiago Oliveira “Salsa”. Para a terceira tentativa, já não haveria vantagens a dar, todo o Grupo iría subir, havia uma “batalha” para vencer. Heroicamente, o “Moguelas” aguentou o que era humanamente possível e acabou vencido pela violência dos derrotes do “bruto” que continuava a bater com todas as forças que possuía. O forcado da cara lesionou-se no ombro e teve de ser substituído pelo Ricardo Patusco.
Nesta altura, a prioridade era “agarrar” o toiro e foi com esse intuito que se tentou a quarta tentativa, já em terrenos “sesgados” mas que voltou a não resultar já que o toiro se livrava dos forcados como se de um castelo de cartas se tratasse. Na quinta tentativa, nova mudança de terrenos e finalmente o “boi” foi “agarrado” por 8 “leões” em praça, contendo uma alma e um querer acima de qualquer toiro impegável deste mundo. Grande demonstração de valentia se assistiu nesta noite. O Grupo de Vila Franca acabava de provar que se consegue vencer um toiro destes apenas com 8 forcados em praça, com alguma inteligência e com um querer acima de qualquer sentimento que se possa ter numa altura destas. Foi um final apoteótico para o Grupo, aclamado por toda a praça, empolgados e suspensos que estávamos todos diante da barbaridade de violentos derrotes que saiam de um animal que de “toiro bravo” apenas tinha o formato. No final, para além do Flávio Henriques e do Bruno Tavares, também o Bernardo Alexandre veio a recolher ao Hospital, verificando-se posteriormente que se tratava de uma lesão nas costelas, menos grave que os 2 primeiros.
Obviamente o jantar não teve a animação de outras noites pela preocupação sentida em relação aos lesionados, mas a vida de forcado tem destes episódios e acima de tudo, todos estávamos orgulhosos do que havia sido demonstrado na praça por um Grupo que demonstrou em todos os momentos muita competência e maturidade.
Paulo Paulino “Bacalhau”