Noite de grande expetativa no Campo Pequeno com a inauguração das corridas noturnas do abono da temporada 2019 na centenária praça Lisboeta onde se anunciava um monumental e sério curro de António Silva para confronto com dois verdadeiros Grupos de Forcados, Montemor e Vila Franca. A concentração e fardamento foi na casa dos amigos Jorge Carvalho e seu filho Francisco que gentilmente disponibilizaram ao Grupo de Vila Franca as excelentes condições e todo o apoio logístico para os momentos que antecederam uma corrida com a responsabilidade que esta envolvia.
A Praça do Campo Pequeno, apesar da noite amena que se fazia sentir não registou a moldura humana expectável, apresentando meia casa forte, convenhamos, algo aquém do esperado e tal veio a contribuir para que o ambiente ansiado de uma noite de toiros de verdade apenas se fizesse sentir a rasgos durante todo o espetáculo.
O segundo Silva da noite, primeiro do Grupo de Vila Franca, acusou 585 Kg e, tal como os restantes, tinha presença mas demonstrou um comportamento algo “pastelento” mirando sempre para baixo durante uma lide em que nunca rompeu e por isso mesmo não chegou ao público. Não se refugiava da “batalha” mas a iniciativa esteve sempre ausente. O Cabo Vasco Pereira deu a responsabilidade de pegar este exemplar de caras ao David Moreira “Canário”. O forcado da cara esteve correto no cite e no mando, eventualmente poderia ter aguentando mais uma fração de tempo para “ter mais toiro” pelo que acabou por receber uma reunião baixa com o toiro a entrar-lhe pelos joelhos e logo de seguida ao tentar livrar-se do forcado em viagem por baixo teve uma escorregadela criando um momento de expetativa que o “Canário” geriu compondo-se na cara, até receber a entrada do grupo de ajudas que apesar de não estar à espera de uma entrada tão intermitente do toiro pelo Grupo dentro, foi eficaz a fechar a pega.
O quarto toiro da noite, 624 Kg de Silva, tinha uma excelente presença e demonstrou alguma perigosidade durante a lide, cortando terrenos e medindo sempre as distâncias para investir “de manso” quando achava seguro que iria atingir o adversário com as suas quase 42 arrobas. Para a cara deste toiro o forcado eleito foi o Rui Godinho e em boa hora. O Rui, como é seu hábito interpretou a sua “lide” a este toiro com a sua caraterística personalidade, mandando e recuando o que o oponente exigia, fechando-se exemplarmente numa entrada por alto, a aguentar as tentativas infrutíferas do toiro para se livrar do forcado da cara. A viagem veloz foi poderosa e a empurrar o Grupo até às tábuas onde uma boa entrada das terceiras e uma rápida recuperação das segundas ajudaram a criar um excelente momento de boa pega à Portuguesa, fechando-se assim esta atuação em que todo o Grupo respondeu à altura.
A pega do quinto toiro da noite pelo forcado Francisco Borges de Montemor foi um verdadeiro monumento à pega de caras, com uma primeira ajuda perfeita de António Pena Monteiro e um grupo coeso a resolver com muita categoria à 2ª tentativa um problema criado por um Silva poderoso, nobre de comportamento e capaz de criar muito estrago lá do alto dos seus 650 Kg. Grande momento e duas voltas muito merecidas para forcado da cara e primeiro ajuda.
Para encerrar a corrida, o sexto Silva com 605 Kg. O comportamento deste toiro é fácil de resumir: foi ele que mandou naquela vasta arena desde que lá entrou. Se juntarmos a isto uma tremenda e muito poderosa disponibilidade para o demostrar durante toda a lide, cedo se percebeu que era o “toiro da corrida”. Para tanto toiro teria de haver muito forcado e se as garantias na cara eram dadas pelo Francisco Faria, era necessário o Grupo estar perfeito para resolver esta questão com sucesso. Na primeira tentativa, o Francisco esteve sem mácula, recebeu uma forte entrada e vinha bem fechado, mas o oponente baixou a cara e deste modo conseguiu “atropelar” literalmente o forcado da cara e despachá-lo com violência através de uma mangada lateral, antes de qualquer ajuda ter tempo de intervir. Ferido, mas não vencido, com a raça genuína que este forcado apresenta em cada atuação, voltou à “guerra” depois de respirar e recuperar uns momentos. Na segunda tentativa, voltou a mandar na investida e a receber bem, fechou-se na córnea em nova entrada violentíssima do Silva que adotou a mesma receita de baixar a cara arrastando pela arena o Francisco que já só se conseguia agarrar com a ponta dos dedos quando entrava Grupo dentro, com este já incapaz de o conseguir puxar, passado que foi o único momento em que tal era possível, após o derrote inicial que se seguiu à reunião. Ficou ali mais uma tentativa frustrada. Na terceira tentativa, mais saber e raça de forcado, o mesmo poder de toiro e o grupo todo mais em curto, o que num toiro destes pode ser fatal visto que com tanta velocidade a romper, as terceiras podem ser rapidamente passadas. Quase aconteceu isso, o toiro entrou nos mesmos modos, com o Francisco sempre bem na cara, faltou primeira ajuda para ajudar a receber aquela forte mangada e o André Matos nas segundas, no momento em que o oponente voltou a baixar a cara, deu o que tinha e levou com a “locomotiva”. As terceiras quase foram passadas não fosse a excelente entrada do Bernardo Alexandre que foi sempre agarrando e puxando um Francisco Faria que ia buscar forças sabe-se lá onde para ainda conseguir vir a tentar subir pela cara do toiro, numa viagem interminável a derrotar, que só acabou nas tábuas e ainda contou com uma prestimosa ajuda de elementos do Grupo de Montemor que se solidarizaram e saltaram na tentativa de ajudar a parar este toiro. No final, o problema estava resolvido, numa batalha feroz que feriu o orgulho do Grupo que não esteve perfeito apesar de digno e lutador e que acabou ainda por lesionar dois grandes forcados, daqueles que são bons e dão o que têm ao Grupo, o Francisco Faria com tripla fratura numa perna e o André Matos, com várias costelas partidas e um pneumotórax, hospitalizados logo de imediato.
É altura de “lamber as feridas” apoiando os que se lesionaram para recuperarem sentindo esse apoio e para raciocinar sobre os ensinamentos que toiros como este nos dão para este modo de vida, e não só… São estes toiros e estas provações que fazem Forcados e desfazem meros sonhadores. Força Francisco e André!
Paulo Paulino “Bacalhau”