Coruche às quatro e meia de uma bem tórrida tarde de verão apela a uma melhor dormida sesta. Mas nesta tarde havia um curro de extrema seriedade para ser corrido e isso seria só por si um programa suficientemente válido para aguentar o “sacrifício” de passar a quente tarde numa praça de toiros, o que infelizmente não se propagou na cabeça de muitos “aficionados”, já que apenas um quarto de casa ficou preenchido para presenciar o espetáculo.
O rei da festa é o toiro e havia, sem qualquer dúvida, “Toiro”. O cartel, podia não ser o melhor do mundo mas é inegável que se tratava de um cartel bem cuidado que incluía alguns dos melhores intérpretes do toureio equestre nacional. Estariam em praça 2 dos melhores grupos que pisam as arenas na arte de pegar toiros, logo, era previsível que iria haver “verdade” nesta tarde, na arena de Coruche. O público não compareceu como a corrida merecia. Houve bastante publicidade e quem é aficionado, sabe bem o que vai acontecendo a este nível para além de tudo, logo, não foram porque não puderam mesmo alguns, o que é aceitável, não foram porque eventualmente estariam a presenciar outro espetáculo taurino, o que é aceitável, não foram porque a “carteira” não o permitia, igualmente aceitável e por fim, não foram porque simplesmente não são aficionados, não vale a pena enganarmo-nos, é uma realidade. Parece que os verdadeiros aficionados em Portugal são poucos, talvez sentados preencham um quarto de praça em Coruche. Com isto não quero confundir “aficionados” com pessoas que “gostam de ver” corridas de toiros, esses sim são muito mais, principalmente se for um espetáculo televisionado (independentemente do seu maior ou menor nível de mediocridade).
Para esta corrida, os Veiga Teixeira que calharam em sorte ao Grupo de Vila Franca pesavam 620, 625 e 560 kg e certamente a balança estava bem aferida. Estes 3 e os restantes 3 que calharam ao Grupo de Coruche certamente encheram o olho aos aficionados do toiro, tal era a imponência, verdadeiras estampas apenas “desafinando” num ou outro que a natureza se encarregou de tornar ligeiramente “bisco”, um detalhe de somenos importância neste caso.
O Grupo de Vila Franca, felizmente, tem uma tradição e um conjunto de forcados talhado para estes momentos. Não há corridas que “assustem” e pegar toiros de verdade faz parte do seu ADN. Neste Grupo reina uma filosofia de que qualquer toiro é para ser pegado à primeira, isto é ponto assente, mas convenhamos, é tarefa sobre-humana porque é perfeita e como se sabe, a verdadeira perfeição não existe. Para colmatar esse facto, as palavras-chave são verdade, dignidade, valentia, honra e tradição.
O primeiro toiro da tarde cumpriu dentro do esperado, respirava seriedade, tinha poder e tratava-se da pega que iria “abrir praça”, basicamente um momento psicológico mas relevante. Nestes momentos exige-se saber, experiência e confiança no forcado da cara e nos ajudas e o cabo “salpicou” o Grupo com tudo isso. Para a cara o Pedro Castelo esteve simplesmente ao seu nível e o seu nível é extramente elevado, faz parecer fácil o difícil. Foi assim que carregou, recuou a fixar o toiro, recebeu e fechou-se enchendo literalmente a cara ao toiro, com mestria, numa entrada suavizada por estes “preliminares”. Aguentou no solo a tentativa frustrada (para o toiro) de ser despejado por baixo e quando o toiro percebeu que não o conseguiria vencer deste modo, levantou a cara mas já tinha um bloco de ajudas a tapar-lhe completamente a saída, para não mais ser largado senão com a pega consumada, para “diversão” de saber feito do rabejador Carlos do Sobral.
O segundo toiro da atuação do Grupo de Vila Franca estava a ter um comportamento exemplar durante toda a lide, com poder e sempre franco, à carga após cada castigo, independentemente do calor e do próprio peso contra indicarem tal atitude. Foi assim até quase ao final da lide e foi baseado neste comportamento que o Ricardo estipulou os forcados que estariam em praça. O penúltimo e principalmente o último ferro alteraram entretanto esta grande disponibilidade demonstrada e o toiro acabou a lide já a encostar-se em tábuas, numa defesa perfeitamente aceitável devido ao cansaço do seu comportamento durante a quase totalidade da lide. O Rui Godinho, forcado indigitado para a cara já teve que ir “buscar” o toiro às tábuas e esteve bem à sua frente (em que se “sacou” com perfeição) mas acabou por não aguentar o “despejo” para baixo com que o oponente se “defendeu” logo após a reunião. Na segunda tentativa o Rui também esteve bem e chegou a entrar, embora não muito composto, pelo grupo dentro que apesar de ter estado lá, não foi suficientemente coeso e não funcionou em bloco mas mais em individualidades o que não foi suficiente para consumar a pega, sendo completamente despejado numa verdadeira “molhada” de forcados. Na terceira tentativa, mais em curto, tudo funcionou e a técnica, valentia e querer sobrepuseram-se à vontade do toiro que ficou definitivamente vencido pelo bloco formado pelo Grupo. Desta vez a filosofia dos forcados em praça teve de se reger pelas palavras-chave enumeradas anteriormente mas tudo decidido lá dentro, apenas entre os olhares cúmplices de forcados que sabem o que há a fazer nos momentos em que é preciso fazer algo.
Para fechar a atuação do Grupo de Vila Franca, outro forcado de saber e experiência feito, o Bruno Casquinha foi o forcado da cara estipulado pelo Ricardo Castelo. Não tinha tarefa facilitada pela (não) investida do toiro que se fechou em tábuas e parecia que nada o fazia arrancar para o forcado. Esteve a alguns “palmos” apenas da cara do toiro e nada senão o forte bafo do toiro atacava o Casquinha. Mudou-se o toiro de sítio e para terrenos mais fora de tábuas, algo que poderia facilitar a investida mas de pouco serviu. O Bruno percebeu o que lhe restava e colocou em prática. Atacou o toiro “para o comer” e com isto conseguiu mover o oponente que respondeu à letra numa investida que certamente atropelaria sem dó nem piedade qualquer forcado com menos experiência, mas que não foi o caso já que o Casquinha se “sacou” e fechou de modo exemplar para uma pega que foi deixando ajudas pelo piso da arena até às tábuas que deram uma ajuda preciosa a ajudar a parar a locomotiva, embora já trouxesse um pequeno cacho de ajudas fechados. Acabávamos de presenciar a pega da tarde num toiro muito difícil e com um nível de exigência onde foi necessário dar tudo o que havia e não havia para dar.
Depois de uma tarde de acaloradas emoções, um excelente jantar com intervenientes, “sofredores” e muita bebida, todos reunidos num ambiente intimista e mais descontraído, mas a desfrutar de tudo o que tinham direito. Já cheira a “Feira de Outubro”…
Paulo Paulino “Bacalhau”