Não é fácil descrever de modo desapaixonado o que se passou na tarde deste domingo na Palha Blanco.
Quem não presenciou no momento, pode sempre ver os vídeos e confirmar uma exibição perfeita do Grupo de Vila Franca, mas quem não esteve lá não consegue sentir o “arrepiar” que causou desfrutar na primeira pessoa deste espetáculo com o que de mais profundo se deve sentir numa corrida de toiros, o perigo, a seriedade, o imprevisto e a emoção que cada segundo em “alta pressão” transmite.
Os toiros transbordaram respeito, poder imenso e idade, os forcados que os enfrentaram transmitiram concentração e uma enorme competência.
Devido a contingências de ocasião, a lesão que impossibilitou que o 2º toiro fosse lidado, originou a troca imediata pelo 5º e consequentemente, entrou o sobrero para sua substituição na 2ª parte, o que a nível das pegas provocou que o Grupo de Vila Franca pegasse todos os toiros da 2ª parte. Apesar de ser pouco ortodoxo, é algo que já se sabia que poderia ocorrer, logo, não se tratou de uma surpresa. Talvez pudesse ter sido evitada esta contingência se o toiro tivesse sido trocado antes de sair à praça, visto que, supostamente, já era conhecida a sua deficiência física.
Assim, foi apenas no 4º toiro que tivemos a oportunidade de ver o Grupo de Vila Franca, com o Pedro Castelo a saltar à praça, para, com o brilhantismo que nos habituou, demonstrar porque é um caso sério de forcado do panorama taurino atual. Com alma e técnica de forcado feito, consumou com perfeição uma grande pega a um grande toiro, à 1ª tentativa. Não menos brilhante o grande André Matos saiu da molhada que o toiro conseguiu “despachar” nas tábuas, preponderante para o sucesso da pega, no sítio que um 2º ajuda de eleição deve ocupar, enrolado no corno e a ajudar o cara. Todo o Grupo deu o seu melhor e esteve muito bem, mas estes 2 forcados tiveram uma “pontinha” mais de destaque nesta pega, coroada com volta para ambos a acompanhar o Luis Rouxinol que teve também uma grande lide e cravou inclusivamente, um comprido numa “sorte de gaiola” que se arrisca a ser considerado o “ferro do ano”.
O sobrero eleito para ser lidado em 5º lugar teve na frente o Rui Graça. Sobre esta pega só tenho uma maneira de a descrever: se um dia tivesse de mostrar a alguém a pega perfeita, mostrava esta. O Graça esteve perfeito e o Grupo que o ajudou esteve soberbo, onde cada elemento cumpriu com absoluto rigor, impossível de descobrir a mínima falha, o que lhe competia no momento certo. O 1º ajuda Emanuel Matos (Manu), foi chamado a dar volta com o Graça, merecidíssimo!
Faltava o grande momento da tarde, uma montanha de carne sem “pinga” de bravura e que deve ter corrido 50 metros durante toda a lide que o cavaleiro lhe tentou dar e mesmo com 4 ou 5 ferros em cima não soltou uma pinga de sangue. Tratava-se de 650 kg de mansidão à solta, um toiro “inteiro” que tinha de ser pegado. Deixo ao critério de cada um imaginar o que senti a presenciar o que o João Maria Santos e o Carlos Silva (Carlos do Sobral) me deram o prazer de viver com aquela cernelha consumada à primeira entrada. Foi uma luta feroz e onde a única justiça residia no confronto entre a força e a técnica, com o João Maria, enorme, a aguentar o “barco” (mesmo no limite) quando o Carlos foi “despachado” pela violência daquele “BOI”. O Carlos recuperou e o toiro finalmente desistiu, derrotado. Por fim toda a praça conseguiu respirar e levantar-se num tributo apoteótico aqueles 2 “leões” que venceram com toda a justiça aquele confronto quase impossível de vencer. Raras vezes me recordo de não ver ninguém arredar pé da praça após a última pega de uma corrida para aplaudir a volta do forcado que pega o último toiro dessa corrida.
Tomo a liberdade de transcrever uma frase que li de um decano do jornalismo taurino, acima de tudo um grande aficionado que exprime como poucos este tipo de sentimentos, o Sr. Francisco Morgado: “A cernelha ao sexto, feita pela dupla de forcados da terra, é um hino ao querer, à garra e ao sentido de brio dos forcados portugueses. Uma luta vigorosa, leal, inteligente, um querer até ao desmaio e uma ovação que ainda hoje se deve ouvir na lezíria dos salgados”.
O jantar foi o corolário óbvio desta jornada, celebrado em conjunto com um grupo de amigos que são os forcados do Grupo de Lisboa. Ouvir um discurso da boca do “Bombeiro” é algo que se desfruta tal qual como se tratasse de uma obras de arte, um momento único que só se vive naquele instante. Olé forcado!
Paulo Paulino “Bacalhau”