Noite fresca nas Caldas da Rainha para uma corrida que gerou bastante expetativa prévia, claramente devido à inclusão do curro de toiros anunciado de Herdeiros de António Silva, uma das ganadarias que colaboram na necessária seleção de valores da Tauromaquia Nacional. Nesta noite tais condimentos foram amplamente comprovados pelas dificuldades que alguns dos bem apresentados exemplares proporcionaram aos seus antagonistas, perante quase 2 terços (mal contados) de casa preenchida.
O Grupo de Vila Franca é bastante talhado para os momentos difíceis, onde a raça e o valor dos seus elementos sobressai e marca uma posição bem vincada, criando intemporalmente uma verdadeira imagem de marca deste grande Grupo de Forcados. Não exagero se afirmar que as 2 “favas” da noite calharam em sorteio ao Grupo de Vila Franca de Xira e também não exagero afirmando que estes desafios foram ultrapassados com distinção, independentemente de não o terem sido à 1ª tentativa. O fundamental foi a vontade mostrada em cada tentativa e o valor para superar as grandes dificuldades que os toiros criaram, nunca virando a cara à luta e funcionando em praça com muita classe, rodeados de momentos adversos com que os forcados da cara, rabejador, ajudas e cernelheiro se depararam.
A noite até se iniciou calma, com um bom toiro que colaborou em todos os aspetos e em que o cabo não hesitou em atribuir a um forcado da cara a necessitar de elevar o moral visto estar há bastantes meses arredado desta função, o David Moreira “Canário”. O David foi ao toiro com a aparente atitude calma que sempre o carateriza, mas quem o conhece apercebeu-se dos ligeiros “salpicos” de nervosismo, perfeitamente aceitáveis, pelo querer estar bem, nada poder falhar, ou seja, pelo sentido de responsabilidade do momento. Certamente da próxima oportunidade, esses “salpicos” já se terão desvanecido e transformar-se-ão em concentração total. A vontade e a eficácia estiveram lá, foi o que bastou para o David se trancar no toiro e viajar sem grandes sobressaltos para o seio do Grupo de ajudas que fechou esta pega muito bem, já perto das tábuas.
O 3º toiro da noite e o mais pesado da corrida, anunciado com 38 arrobas, foi atribuído para a cara ao António Faria. Desde o início da lide apresentou alguns problemas físicos nos quartos traseiros que originaram um comportamento defensivo onde nunca se esforçou em demasia para investir ao cavaleiro mas que por vezes media as distâncias como suficientes para atacar e enveredava por arrancadas pujantes que ultrapassavam as eventuais dores que sentiria pelos problemas físicos que aparentava possuir. Na 1ª tentativa de pega, após ser devidamente “toureado” pelo forcado da cara, o toiro arrancou com essa mesma pujança e acabou por se desviar do António no preciso momento em que era suposto reunir e nem lhe tocou, mas deu logo para perceber que iria empregar tudo o que tinha nesta pega. Na 2ª tentativa, o António voltou a estar bem frente ao toiro e desta vez conseguiu uma reunião eficaz. Mas o toiro não se vencia com uma reunião. Arrancou veloz e poderoso, Grupo dentro, até às tábuas sempre com o António fechado. Depois de empurrar todo o Grupo contra as tábuas, saiu de lá a “despachar” com derrotes e a revirar-se numa genica nunca anteriormente mostrada e apesar das enormes intervenções do Tiago “Salsa”, do Emanuel “Manú”, do Miguel “Bazuca” e de mais uns quantos ajudas que no calor da batalha não é fácil vislumbrar, acabou por conseguir livrar-se do António que aguentou limites. Posto isto, estava apresentada esta “fava”. Na 3ª tentativa, o António esteve igual em todos os bons detalhes, valentíssimo, o toiro “voou” novamente Grupo dentro, tudo igual, menos um detalhe, o Grupo já tinha tomado esta atitude como uma questão pessoal e barrou-lhe completamente as saídas desta vez, com um cacho de forcados concentradíssimos no essencial, fazer-lhe peso na cara, agarrando os “paus” e compondo sempre o António na cara, completando assim esta exigente pega a um toiro a “pedir contas”. Este momento foi ótimo para aquecer o ambiente, em contradição com alguma da fresquidão que cada vez mais se sentia nas Caldas da Rainha.
Quando a noite já aparentava estar quase “feita” e faltava apenas o 5º toiro, este foi saindo calmamente à praça. Discreto, embora bem arrobado, não era nada com ele, cheirava o estribo da trincheira serenamente, sem ligar muito ao momento que estava a viver, não se passava nada para aquelas bandas. Mostrava alguma (pouca) curiosidade quando os bandarilheiros lhe agitavam o capote, mas o ritmo da atitude não variava. Afinal o Bolo-rei nas Caldas da Rainha vem com 2 favas, concluiu-se. O resto da “lide” foi feita a defender parte da metade da praça que lhe competia mesmo sem escritura legal, atacando o cavalo quase apenas com o olhar e foi esta a história da atuação deste hastado, verdadeiro “Boi” no local errado, onde apenas deveriam entrar toiros de lide.
A solução pensada para um problema destes foi tomada logo após o 1º comprido. João Maria Santos e Carlos do Sobral para cernelhar, Janica e Café para campinar o belo jogo de cabrestos que dispõem. Assim que chamados pelo cornetim, iniciaram a função. Não é fácil nem agradável descrever os momentos de tensão que se vivem nestas alturas pelo que vou abreviar as 2 tentativas de entrada iniciais, a 1ª delas com uma enorme intervenção do Carlos que “lavrou” a arena das Caldas, bem trancado no rabo de uma “locomotiva” em excesso de velocidade. A 3ª entrada foi de “leoas” a atacar uma presa (para os menos avisados, as leoas é que caçam lá em casa). O “Bronco” bem tentou, quase conseguiu livrar-se do João Maria que após aguentar uma enormidade, inteligentemente recuou uns centímetros e por fim estes valentes cernelheiros do Grupo de Vila Franca fizeram vibrar novamente a Praça das Caldas em mais um momento de glória e de aquecimento coletivo nesta noite, algumas vezes fria, das Caldas da Rainha.
Jantar ao nível da corrida, bem composto de presenças onde não faltou uma boa componente alimentícia saudável de líquidos graduados e finalizado com a partida de alguns resistentes em visita não guiada pela cidade em busca sabe-se lá de quê, talvez do belo nascer do sol que é muito interessante por terras do Oeste.
Paulo Paulino “Bacalhau”