
Que ninguém se arrepele, tomando lebre por gato (e não o costume contrário) o que vou dizer, apenas agarrando as palavras do título e remetendo o pensamento libidinoso para coisa que nada tem a ver com tauromaquia.
Ou tem?
Tinha eu um amigo que garantia a pés juntos que tudo tinha a ver com tudo neste equilíbrio entre a natureza a vida do ser humano no mundo.
E se quiséssemos rebuscar a tagarelice e entrar por caminhos mais enovelados, caminhos que teríamos de encontrar cavando fundo na alma humana, ainda seríamos capazes de encontrar aqui, sim, tal ligação, ainda que tivéssemos de buscar amparo em gente do pensamento freudiano.
Mas não é da libido que quero falar aqui, e se quisesse, acabaria por enovelar(-me) ainda mais. Quero, sim, falar da questão dos três grupos de forcados numa corrida. E não quero abordar esta polémica questão agarrado a preconceitos que separam direitos legítimos, o do empresário que arrisca o seu dinheiro, dispondo, na realidade, de pouca e verdadeira independência, e o direito dos bons grupos de mostrarem a sua qualidade num espetáculo que vive muito da emoção que o forcado lhe empresta.
Como em tudo na vida, em qualquer atividade humana, haverá sempre dois lados para dividir os olhares críticos, dois lados de uma mesma moeda que não existiria sem ambos.
Do lado dos empresários, mesmo que o não digam abertamente, além do jogo que farão com grupos, têm ainda que sofrer maiores ou menores pressões por parte de outros intervenientes do espetáculo, ganadeiros, cavaleiros e, provavelmente, de outros cidadãos ou entidades em posição de poder.
Neste caso, três grupos é melhor que dois, ainda melhor do que apenas um, e melhor seria, então, nessa lógica, que fossem quatro ou cinco.
Ser empresário num espetáculo onde tudo tem um valor alto e num País onde as moedas não abundam nos bolsos de muita gente que gostaria de esta na praça, está longe de ser uma perspetiva de enriquecimento.
Do lado dos chamados bons grupos, e se não quisermos chamar assim, digamos grupos tradicionais, não faltam razões de queixa porque sentem preterida a sua alegada qualidade, numa competição que não chega a existir apenas com dois toiros para pegar na tal corrida de três grupos.
E pior, na proliferação de tão grande número de grupos, são muitas as praças que se perdem para os tradicionais, porque se recusam a essa prática e à estratégia dos empresários.
Nos últimos anos, no Alentejo, onde a corrida ganhou novo alento, com dezenas e dezenas de espetáculos por ano, quase não vemos grupos de fora da província.
Esta situação de verdade dupla, é que cria e mantém a duplicidade de olhares sobre o assunto, num nível onde ambos têm razões e nenhum tem razão, crendo eu que uma coisa é ter razões e outra diferente e mais importante é…ter razão.
Dizem os adeptos das corridas de três grupos que essa prática favorece uma certa democraticidade de oportunidades, permitindo a grupos aparecerem a realizar o sonho a que têm direito, isto é, a pegar toiros e a mostrar-se nas praças.
Dizem os apoiantes das corridas a dois ou até a um grupo, que a opção dos três grupos não favorece o aparecimento de grandes valores novos que só despontariam na melhor organização e saber acumulado pela experiência, e ao contrário, reduz a possibilidade de grandes espetáculos e de grandes pegas.
Claramente apadrinharei a sensível questão da democraticidade e do direito que têm todos os cidadãos de pegar toiros se o gostam de fazer.
Contudo, há duas questões que não podem ser escamoteadas nessa aparente democraticidade que apela à existência de dezenas de grupos de forcados. Uma, começa na velha questão da tauromaquia ser ou não uma arte, ou pelo menos de poder sê-lo. A Outra, é a realidade do espetáculo que qualquer espectador paga para ver no melhor que tem, e, afinal, acaba por comer gato por lebre (agora como é habito dizer), quando lhe dão “artistas” que, sem desrespeito pela sua vontade, não cumprem em qualidade o que o espectador legitimamente esperava, dessa forma reduzindo o entusiasmo pela defesa da festa, e defraudando os anseios dos seus amantes.
Qualquer um de nós gostaria de ser um grande criador, por exemplo, um compositor de grandes sinfonias. Contudo, teremos de nos contentar, repetindo mal na casa de banho, o que outros criaram ou tocam, em instrumento ou de voz.
No desporto, existe a possibilidade de qualquer um jogar porque existe uma estrutura que vai do topo à base escalonada em divisões por qualidade desportiva, incluindo a possibilidade de jogos entre solteiros e casados. Na corrida de toiros existe apenas a Primeira Liga e nela estão envolvidas “equipas” que jogariam aí e outras apenas nos Regionais.
Pela característica de grande solidariedade e espírito de grupo necessariamente cultivados nesta atividade, não é fácil que um forcado individualmente talentoso se mude do campeonato regional para a primeira liga, perdendo-se muitas vezes e dessa forma, excelentes forcados que seriam motivo de felicidade para grupos grandes e para os espectadores.
Sempre tive a pega como uma forma de arte, desde que executada, não apenas com a bravura e a força de um pegador e de um grupo, mas nos condimentos de tempo, de espaço, da emoção criada em cada passo, medindo terrenos, mostrando-se ao toiro e aos espectadores, forçando a investida no momento e no lugar adequado, consumando a reunião e a imobilização, simulando aí a morte do toiro como apogeu desse momento mágico em que tudo pode acontecer.
Noutras circunstâncias, sem menosprezo pelo seu valor, o que acontecerá é artesanato e não arte.
Sei que por vezes é mesmo um bom artesanato que os toiros pedem e permitem para que se cumpra a função e nessas circunstâncias também se definem as diferenças entre o bom grupo e um grupo de bons…rapazes. E também sei que quando vou a uma corrida de toiros o que espero é, primeiro, a hipótese da arte e, segundo, se não houver lugar para o primeiro, um bom artesanato.
José Brás