O Grupo de Vila Franca terá sempre o seu momento anual solene, uma noite de exaltação de sentimentos onde todos os forcados deste grande grupo querem fardar-se e quando já possuem algum estatuto, querem sempre pegar ou ajudar e mais tarde, quando um dia se despedem do ativo anseiam que seja nesta noite, preferencialmente a fazer o que mais gostam, pegar ou ajudar não interessa, é a noite grande do Grupo de Vila Franca e isso é o que mais importa. É a Terça Feira Noturna na Palha Blanco!
Este ano, tomo a liberdade de apelidar esta corrida da “noite da Palha Blanco”. Foi uma noite que vai perdurar nas memórias dos privilegiados que quase encheram aquela centenária praça, acanhada de tamanho, enorme de significado, de uma dimensão inigualável na aficion nacional e que vibraram, sentiram, alguns choraram no turbilhão da emoção vivida.
Talvez este século volte a dar-nos uma noite tão preenchida de arte e “toreria” como esta, talvez…
Quaisquer palavras que encontre para definir as lides com que o António Telles nos presenteou vão sempre ser escassas e por esta altura, já tudo o que é crítica da especialidade contou, segundo a segundo, a imensidão de detalhes artísticos e toureiros que encheram esta inesquecível noite. A família Telles merecia o melhor do mundo nesta noite e o António conseguiu ultrapassar qualquer padrão conhecido de arte equestre numa arena, enchendo a praça com o seu perfume toureiro bordado com a mais fina arte e um classicismo que só ele consegue alcançar. Nesta noite cada um de nós tinha um pouco de António Telles dentro de si.
Os campinos “Janica” e “Café” que recolheram os toiros a cavalo, embebidos do espírito que se viveu, deram um espetáculo de saber, de experiência, da mais pura arte “campera” que alguma vez vi numa praça de toiros, tudo isto numa envolvência de cumplicidade com o António, todos eles verdadeiros símbolos, expoentes máximos deste tão nosso Ribatejo.
Também houve forcados nesta noite. O Grupo de Vila Franca tentou honrar esta noite com a “nata” dos seus elementos, não saiu redonda a exibição apesar de nivelada de forma superior nalgumas pegas, com os ajudas muito coesos e que nunca deixaram o seu cara sair vencido em nenhuma das pegas que entrou pelo grupo dentro, pena que nalgumas tentativas não tenham tido essa possibilidade.
O cabo Ricardo Castelo abriu praça, após bridar à Palha Blanco, num Victorino Martin sério. com poder e pronto de investida que dominava nos médios e foi aí que o Ricardo teve de se empregar numa reunião dura, derrote poderoso bem aguentado após citar e mandar com a perfeição com que sempre o faz. O “Manú” esteve superior na primeira ajuda e logo ali se viu o que iria acontecer, o grupo fechou em cacho, numa pega à Grupo de Vila Franca. No término desta atuação, o Carlos “do Sobral” rabejou a gosto e teve de se empregar com a sua experiência para evitar duas tentativas que o toiro fez para o “sacar” pelas pernas.
Para o segundo toiro da noite, um excelente exemplar de Murteira Grave com “presença” mais discreta mas que encheu a Palha Blanco com pura bravura, saiu o Bruno Casquinha. que brindou a sua pega ao Mestre António Telles. Na primeira tentativa precipitou-se no cite, carregando prematuramente e recuando sem aguentar o suficiente, perdeu por não conseguir fixar o toiro que “faltou” no momento da reunião e o virou com o piton direito pelo interior da perna. Na segunda tentativa acalmou o cite, já carregou no momento certo e apesar de ter aguentado pouco, reuniu com perfeição. Aguentou bem as sacudidelas do oponente e foi assim que o grupo o recebeu e se fechou muito bem, consumando esta pega a um Murteira Grave que respirava bravura por todos os poros.
O terceiro toiro da ganadaria David Ribeiro Telles era um bom toiro, sério, que aparentava ter uma mangada alta na reunião e que indiciou sempre durante a lide uma investida franca e veloz, algo que um forcado da cara experiente normalmente aproveita para fazer as grandes pegas de “encher o olho”. O Pedro Castelo foi uma excelente escolha para este toiro, sabe estar na frente dos toiros, tem uma técnica perfeita, é rápido a fechar-se e sabe tirar partido dos toiros já que faz tudo de modo exemplar. Não foi a noite do Pedro. Após brindar ao céu, o cara citou bem e carregou melhor, aguentou pouco na expetativa da investida franca que se aguardava mas que não existiu, e tanto ele como todos acabaram por ser surpreendidos por uma entrada bruta de baixo para cima e com o piton a entrar entre as pernas, retirando qualquer possibilidade de completar a sorte com a eficácia esperada. Na segunda tentativa, apesar do Pedro ir já mais avisado para a falta de franqueza na investida, o toiro “aprendeu” como fazer para vencer o forcado e entrou a “papel químico” desta vez a aleijar ainda mais. Na terceira tentativa, o grupo mudou o toiro de sítio e a atitude, encurtando distâncias e resolveu o problema, com pouco brilho mas muita vontade. O público compreendeu o labor e a dificuldade desta pega e obrigou o Pedro a dar volta.
O quarto toiro de Vale Sorraia saiu condicionado e foi de imediato substituído pelo que estava agendado para quinto lugar, de Pinto Barreiros que cumpriu bem durante a lide. Para a cara o eleito foi o Rui Godinho que esta época esteve em muito bom plano e merecidamente o cabo concedeu-lhe uma pega na Terça Feira Noturna. Bridou ao grande ausente do seio dos fardados, o João Pedro “Petróleo” que esperamos esteja rapidamente curado e dê o seu contributo dentro da praça, algo que ele sabe fazer com excelência. Sereno no cite, carregou com convicção, fixou bem o toiro e apesar de ter recuado o mínimo, acabou por dar alguma espetacularidade à pega aguentando uma entrada forte mas não suficiente para o vencer já que o grupo esteve mais uma vez muito bem a fechar, consumando esta pega.
Saiu a quinto o Vale de Sorraia que estava de “sobrero”. Algo “pastelento” de investida e com poder, não foi surpresa ver saltar o Ricardo Patusco para a cara com o seu grupo de sempre. Brindou ao grande Mestre David Ribeiro Telles, escutando-se desde logo uma sentida e justa ovação da Palha Blanco a um grande forcado que brindava a sua pega a um verdadeiro símbolo vivo da tauromaquia nacional. Foi necessário ao Patusco ir buscar o saber de experiência feito para tentar fazer investir este toiro. Necessitou desfazer uma tentativa inicial para fazer o toiro arrancar, mudou-se ligeiramente o sítio, mas mesmo assim o Patusco teve de ir a terrenos apertados para conseguir uma investida que veio algo solta e não deu muita margem para o forcado se “sacar” convenientemente, saindo desfeiteado no preciso momento em que chegava o apoio do primeiro ajuda, neste caso, o João Maria. Na segunda tentativa, o Patusco foi mais uma vez obrigado a ir a terrenos de verdadeiro compromisso, mas desta vez puxou dos galões que uma carreira com 107 pegas de caras de experiência dão e acrescentou mais um ao currículo. “Sacou-se” de modo superior e foi de modo igualmente superior que todo o grupo fechou num bloco perfeito, consumando-se assim uma das pegas com maior grau de dificuldade desta noite.
Quando ainda ninguém na Palha Blanco queria que acabasse esta noite de sentimento, emoção e toiros, chegou a altura da última pega. O toiro era uma estampa de Passanha um verdadeiro toiro de lide. Saltou para a cara o Márcio Francisco. Por vezes, ainda entre tábuas, tentamos dar uma dica ou outra ao forcado da cara sobre algo que o possa ajudar a perceber ou a confirmar esta ou aquela caracteristica do toiro ou de algum pequeno detalhe que possa ajudar ao modo como a pega pode ser encarada pelo forcado. Com o Márcio, o que quer que se lhe diga aparenta ser excedentário. É um forcado que tem o modo de enfrentar os toiros tão interiorizado e que vive com uma intensidade tão natural tudo o que faz dentro da arena que parece que a pega de caras é parte dele. Não é fácil de explicar este fenómeno. Brindou ao Diogo “Ruço” que cumpriu a sua primeira época sem estar no ativo do Grupo de Vila Franca. A partir do momento em que gritou a primeira vez ao toiro, até ao momento em que reuniu, o Márcio deu uma lição de como estar à frente de um toiro. Foram momentos brilhantes. Como brilhante foi o modo como se trancou e mesmo com o toiro a dar voltas nos médios, com um “nó cego” perfeito ao “Manú”, o Márcio, parecia que nada se passava, cada vez estava mais bem trancado no toiro e com a chegada natural de todo o grupo a fechar, onde até o Carlos “do Sobral” deu uma “mãozinha” antes de pegar no rabo do toiro, assim terminava com chave de ouro a atuação do Grupo de Vila Franca nesta Terça Feira Noturna histórica.
O final foi apoteótico, António em ombros, o público não queria arredar pé, as ovações eram intermináveis, viam-se lágrimas a correr na face de alguns, foi verdadeiramente um momento que perdurará em todos nós que a Palha Blanco certamente recordará para sempre e eu arrisco a personificação… com um sorriso nos lábios.
Paulo Paulino “Bacalhau”