Podem-se escrever milhares de teorias sobre forcados e tudo o que supostamente lhes está inerente desde valentia, dignidade, atitude, honra, respeito, valores, amizade…, há uma infinidade de termos e adjetivos que tentam definir as reais motivações de um forcado. Provavelmente estarão todas muito próximas da realidade, mas será apenas isso? Haverá alguma explicação lógica que consiga definir que perante situações de stress máximo e no extremo dos limites, se coloque tudo em risco só porque tem que se pegar “aquele toiro”? É racional haver momentos em que não há família, namorada, amigos, emprego ou escola, não há alegrias nem tristezas e todos os objetivos e problemas do mundo nesse determinado momento se traduzem num só: conseguir contribuir para parar “aquele toiro”? Garantidamente, não encontro uma explicação lógica que reduza esta questão à individualidade “forcado” nem nunca encontrarei. Não existem personalidades individualizadas nestes momentos, tudo se traduz no eco proveniente da união de um conjunto de íntimos, resultantes de toda uma experiência e saber – maior ou menor – adquiridos, inteligência, intuição e capacidade de sofrimento a funcionar em prol de um fenómeno coletivo solidário chamado Grupo de Forcados e são sobretudo estes os momentos de referência que constroem o historial e a grandiosidade de um Grupo de Forcados.
A corrida
O dia esteve bastante quente em Moura, nada de novo portanto. As Festas de Nossa Senhora do Carmo tinham nessa tarde deste domingo 16 de Julho o seu ponto alto com a tradicional procissão que antecedia a corrida noturna na praça de toiros José de Almeida.
O antigo forcado do Grupo de Vila Franca, Manuel Pica e a sua família, a São José, a Jô e o João Pica recebeu-nos em sua casa para o fardamento e foi um final de tarde muito agradável e com uma logística extraordinariamente bem organizada, onde nada faltou aos elementos e acompanhantes do Grupo de Vila Franca para que todos se sentissem como estando na sua própria casa.
Na praça, uma casa praticamente cheia com bom ambiente e o senão de uma iluminação algo escassa a necessitar de alguma breve revisão.
O Francisco Faria abriu praça nas pegas desta noite. O colorau de Santiago com 510 kg era algo mal visto mas não aparentava problemas de maior, com pouco poder, manifestava entradas suaves no capote, embora manso não complicava na lide, não mostrava querenças nem estranhos comprometedores, até chegar ao último ferro do cavaleiro e mudar radicalmente de estado. Ficou bronco, brusco, a meter pronunciadamente um piton e conforme alguém referiu na altura, o toiro “rachou”. O Francisco teve de ir quatro vezes ao toiro, quase nunca por culpa própria, com a atitude de forcado rijo que lhe é caraterística. Tanto o cara como o Grupo enfrentaram as dificuldades do astado e pegaram-no dignamente, já em curto. Ficou o sabor amargo de não se obter o brilhantismo que o Francisco queria e inegavelmente merecia.
A segunda pega da noite para o Grupo de Vila Franca foi interpretada com o Márcio Francisco na cara. O Pinto Barreiros preto de 520 kg foi pouco colaborante na lide e exigia mando na pega. Com um forcado deste calibre, não foi difícil presenciar uma demonstração prática de como estar perfeito com um toiro. Após aguentar uma meia investida em falso do oponente, o Márcio mostrou-se, leu muito bem o toiro e os terrenos, mandou, recuou exemplarmente e trancou-se numa córnea que mesmo com um ineficaz derrote forte do toiro a meio da viagem tentando livrar-se do forcado, empurrou forte até às tábuas onde já no meio do Grupo continuou a tentar livrar-se dos adversários, sem sucesso, já que estava bem “encarcerado” num cacho de forcados. Brilhante.
Saiu o quinto da noite, um Monte Cadema (origem Lampreia), 605 kg de boi preto. Calculo que mesmo após sair do talho (para onde deveria ter ido sem passar por Moura) a carne deste boi será difícil de tragar. Aconselho o ganadeiro a repensar, visto que “coisas” destas não fazem falta numa corrida de toiros, muito menos como representação de uma ganadaria num concurso onde noutros tempos se mandavam os toiros que mais prometiam no campo, hoje, na maioria dos casos “limpam-se” currais e até bois enviam conforme foi neste caso. Não deu lide, ficou estático nos médios a olhar para a bancada, se via um capote abria buraco no piso com o sopro e ganhava “asas”, poderoso, numa espécie de investida distanciada de qualquer tipo de qualidade. Antevia-se uma batalha campal para parar este animal, grande e inteiro. O João Maria Santos e o Carlos Silva entraram em praça para tentar a pega de cernelha. Após alguns minutos e mesmo com o bronco a chegar-se aos fracos cabrestos mas raramente tapado devido à escassa competência dos campinos, faltou a decisão necessária num ou noutro pequeno momento inaproveitado para entrar ao “coirão”. Apenas num instante ocorreu um esboço de tentativa que de tão traseira que foi, dificilmente teria sucesso e soou o inevitável aviso do diretor de corrida, havia que ir pegar o animal de caras independentemente dos cabrestos não terem sido recolhidos. O Rui Godinho foi o primeiro a tentar a pega, por 4 vezes, esteve enorme e com o Grupo a dar o que tinha e não tinha, sem sucesso e ainda numa abordagem “ética” com 8 massacrados forcados em praça, qual castelo de cartas a desbaratar-se pelo ar. Era impossível vencer aquele boi deste modo. Mandou-se a “ética” às malvas, os terrenos propícios já não existiam, de qualquer lado se tentava a pega e o Grupo saltou em uníssono já com o Ricardo Castelo na cara, por mais 2 vezes. Num Grupo que conta com um cabo destes que assume a responsabilidade no momento mais complicado dos últimos anos, é um motivo de orgulho estar ao lado dum líder assim e eventualmente ajudou a dar a força suficiente para finalmente parar esta locomotiva no meio do Grupo. Não vale a pena citar nomes, foram heróis não individualmente reconhecíveis que o fizeram, foi o Grupo de Vila Franca que ultrapassou um dos maiores desafios que tenho memória ver um Grupo de Forcados ter de ultrapassar numa praça de toiros e foi quase um milagre ninguém se ter magoado com gravidade, tal era a violência que o toiro empregava a bater. No final, acabaram por ser efetuadas sete tentativas, uma de cernelha e seis de caras.
O Real Grupo de Moura, é um Grupo que merece todo o nosso reconhecimento pelo companheirismo, simpatia exemplares com que sempre nos recebe na sua terra e os bons modos com que anda na “festa”. Alternou connosco as pegas desta noite de Moura e teve uma atuação de boa nota onde destaco uma lição de como receber um toiro pelo nosso grande amigo Cláudio Pereira, o Cassiano, no último da noite, um Guiomar Moura de 620 kg, e que simpaticamente havia brindado esta pega ao Grupo de Vila Franca. Foi com a presença de ambos os Grupos que decorreu o jantar noite e madrugada fora, de modo não tão “efusivo” como no ano anterior, mas onde imperou o companheirismo e a sede numa noite bem acalorada.
Paulo Paulino “Bacalhau